“Estejam sempre alegres, rezem sem cessar. Deem graças em todas as circunstâncias, porque esta é a vontade de Deus a respeito de vocês em Jesus Cristo” (1 Tess 5,16-18).
Esta exortação do apóstolo Paulo aos irmãos de Tessalônica, chega até nós como um conselho do modo de proceder de todo o cristão. São Paulo nos convida a permanecer na alegria e esta não pode ser comparada ou confundida com a alegria efêmera e fútil a qual observamos em nossa sociedade. A alegria provocada pelo consumo exagerado de bebidas e drogas, embalada pela aquisição de bens materiais, que podemos denominar de uma “pseudo-alegria”, ou seja, uma falsa alegria, um momento passageiro de prazer onde muitas vezes custa e fere a alegria de muitas pessoas.
Para Francisco de Assis a mensagem de Paulo era tão profunda que ele acolheu e compreendeu intensamente e a transmitiu aos seus irmãos: “E guardem-se os irmãos de não se mostrarem em seu exterior como tristes e sombrios hipócritas. Mas antes comportem-se como gente que se alegra no Senhor, satisfeitos e amáveis como convém” (RnB 7,15). Por diversas vezes ele os orientou a não perderem a alegria que nos é presenteada pelo próprio Cristo.
Dava aos seus co-irmãos a garantia de que o remédio mais seguro contra as mil armadilhas ou astúcias do inimigo era a alegria espiritual. Costumava dizer: “O diabo exulta, acima de tudo, quando pode surrupiar ao servo de Deus a alegria do espírito.
Carrega um pó para jogar nos menores meandros da consciência, para sujar a candura da mente e a pureza da vida. Mas, quando os corações estão cheios de alegria espiritual, a serpente derrama a toa o seu veneno mortal” (2 Cel 125,2-4). São Francisco se esforçou muito para viver sempre no “júbilo do coração, conservando a unção do espírito e o óleo da alegria” (2 Cel 125,7). Em nossa sociedade é muito comum o pensamento de que somente nos momentos de prazer, euforia, nos momentos positivos e de bem estar e que a alegria se faz presente. Francisco de Assis fez a profunda experiência da gratuidade do amor de Deus, de sua benevolência e foi capaz de perceber a face escondida de nosso Deus em todas as suas criaturas e isto o fazia rejubilar de alegria.
Francisco contemplava em todas as criaturas a bondade, a sabedoria e o poder de Deus (2 Cel 165). Ele enxergava nas criaturas os vestígios de Deus, sua marca, sua beleza, sua luz e sua força. Foi de sua íntima união com Deus na oração/contemplação, na escuta da Palavra e na vivência fraterna que ele mergulhou no sentido íntimo da alegria cristã de pertencermos ao Senhor: “Feliz a nação cujo Deus é o Senhor, o povo que ele escolheu por sua herança” (Sl 33,12).
A alegria cristã e franciscana não se limita aos momentos de prazer, ela deve ser constante e intensa. “Alegrai-vos no Senhor” (Fl 3,1). A exortação de São Paulo “Abençoem os que vos perseguem; abençoem e não amaldiçoem. Alegrem-se com os que se alegram e chorem com os que choram. Vivam em harmonia uns com os outros” (Rm 12,14-16), comporta um compromisso com o próximo e, portanto se faz também presente nos momentos de dor e de tribulação. Daí percebemos a grande diferença entre a alegria anunciada pela sociedade, pelo mundo (pseudo-alegria) da verdadeira alegria, daqueles qu colocam a sua esperança e confiança em Deus. É somente nele apoiados que temos forças para enfrentar as dificuldades e serenidade para perceber a presença amorosa e paterna de Deus a nos conduzir e fortalecer mesmo enfrentando as dificuldades da vida.
Ser anunciador de alegria num mundo governado por sistemas que pregam e lucram com o prazer a qualquer preço, marcado por competições, individualismos e por tantas diferenças sociais, somos mais que desafiados a encontrar o rosto pobre, humilde e crucificado de Cristo presente em cada irmão (ã), principalmente nos mais esquecidos de nossa sociedade.
A cruz nos é apresentada como contrária á alegria e não como um caminho, um meio como foi parra o próprio Jesus Cristo. Quando se fala de cruz, muitas pessoas a reduzem a um mero objeto. Mas quando falamos da cruz, incluímos necessariamente o Crucificado. Por isso, o seguimento de Jesus e o compromisso cristão se identificam com o “tomar a cruz” (Mt 10,38). Esta afirmação de Jesus não é resignada, nem passiva, mas consciente e dinâmica. Tomar a cruz significa caminhar para transformá-la.
Não basta, porém, somente carregar a cruz. A novidade cristã é carregá-la com Cristo. “Carregar a cruz”, contudo, não representa uma aceitação estóica, mas atitude daquele que leva o compromisso até as últimas conseqüências. “Tendo amado os seus, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Essa cruz carregada por amor transforma o sofrimento. É a opção positiva de homens e mulheres de fé, que acreditam e podem realizar, quer dizer: o que chamamos cruz é a conseqüência de uma opção de vida, pela vida do outro, muitas vezes explorado, marginalizado, perseguido e morto.
Todo o cristão é convidado a fazer a descoberta da “verdadeira alegria”, que não pode ser confundida como uma mera satisfação pessoal, de gosto particular. Mas, a verdadeira alegria, por mais estanho que pareça, tem a forma de cruz e a cruz que nasce do amor que se sacrifica para o bem e a felicidade dos outros. “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos” (Jo 15,13).
São Francisco fez uma forte experiência de encontrar alegria até mesmo no sofrimento causado por outras pessoas, ele aprendeu do apóstolo Paulo: “Quanto a mim, que eu me glorie (alegre), a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo” (Cf. Gal 6,14). Compreendemos melhor isso quando lendo a perfeita alegria, descrita em Fioretti 8, num diálogo amigo e fraterno Francisco explica ao seu confrade Frei Leão o que é a perfeita alegria. Percebemos a grande espiritualidade brotada da experiência de Cristo que Francisco fez. Essa lição, esse legado ele deixou para todos nós.
“Certa vez, indo Francisco com Frei Leão de Perúgia a Santa Maria dos Anjos, em dia frio e chuvoso de inverno, Francisco perguntou ao seu companheiro e irmão em que consistia para ele, sentir a perfeita alegria. Seria então dar exemplo de santidade e de boa edificação, curar os cegos, endireitar o encurvado, expulsar os demônios, restituir aos surdos o ouvido, aos coxos o andar e aos mudos a fala, ressuscitar os mortos, saber falar todas as línguas e ter o conhecimento de todas as ciências, e de todas as Escrituras? Nisto, com certeza, não consistia a verdadeira alegria. Porém, continuou Francisco: "Mas se ao chegarmos à Santa Maria cheios de frio e de fome e muitos cansados e se batêssemos à porta e fôssemos mandados embora, insultados e nós não nos perturbássemos com a injúria recebida e nos mantivéssemos alegres, pacientes e cheios de amor, nisso sim consiste a verdadeira alegria. E se continuássemos batendo e o porteiro nos maltratasse e nos batesse, se suportarmos tantos males, tantas injúrias e açoites, pensando que devemos carregar as penas do Cristo bendito, aí está a perfeita alegria”.
A perfeita alegria não é masoquismo, mas consiste na serenidade em todos os momentos da vida, inclusive nos sofrimentos e saber tirar dos momentos de dor uma lição de vida para o crescimento pessoal e para a vida de fé. Mas, para se chegar a perfeita alegria é preciso lutar contra o egoísmo, o orgulho. Quem vive somente para realizar seus projetos e sonhos pessoais sem se importar com os dos outros, com a vida do próximo, do irmão, não poderá experimentar a verdadeira alegria, que é servir e amar. “Deus ama quem dá com alegria” (2 Cor 9,7). E mais ainda: “Quem quiser ser o primeiro seja o último e seja aquele que serve a todos” (Mc 9,35). A perfeita alegria é um dom de Deus, proveniente da nossa união com Ele. É esta a única forma de chegarmos á perfeição da caridade e a perfeita alegria.
O Papa João Paulo II afirmava: “O homem de hoje necessita da fé, da esperança e da caridade de Francisco, necessita da alegria que brota da pobreza de espírito, isto é de uma liberdade interior” (11/02/03). Então caríssimos irmãos e irmãs, “Alegrai-vos sempre no Senhor” (Fl 3,1). Que a alegria que é uma virtude e marca distintiva da vida cristã e franciscana seja constante em nossas vidas. Acolhamos o conselho sábio de São Paulo “Fiquem sempre alegres no Senhor! Repito: fiquem alegres! Que a bondade de vocês seja notada por todos” (Fl 4,4-5).
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