"Senhor, fazei-me instrumento de Vossa Paz"
São Francisco de Assis

terça-feira, 4 de setembro de 2012

O resgate do pensamento franciscano

Não deixa de ser significativo que, além de Luther King, Teresa de Calcutá, M. Gandhi, Francisco de Assis foi apontado como uma das personalidades que marcaram o séc. XX. Importa ressaltar que a pesquisa foi feita pela revista "Time", portanto, isenta de qualquer preocupação apologética, interesseira e "marqueteira"!

O Poverello de Assis, lá pelos idos do séc. XIII, com sua espiritualidade radicalizada na essência da mensagem evangélica, com seus seguidores, filósofos e teólogos, continuadores de sua mensagem, depois de longo período no olvido, obscurecidos pelo Iluminismo, Racionalismo, Cientificismo; pela ideologia do crescimento ilimitado, pelo Consumismo desenfreado, são redescobertos com todo o seu vigor humanístico, antropológico.e ecológico.

Para a Escolástica, a ciência por excelência é a Teologia. A Filosofia, a Metafísica são instrumentos necessários para que se chegue, de modo apropriado, lógico, ao conhecimento do Ser dos seres, Deus, a fonte e princípio de tudo. Daí o provérbio conhecido: "Philosophia ancilla Theologiae", interpretado positivamente enquanto caminho, intinerário para se chegar ao Ser por excelência, Deus. Boaventura, um dos expoentes do pensamento franciscano do séc. XIII, professor na Sorbonne (Paris), escreveu interessante tratado intitulado: "Itinerarium mentis in Deum" ("O itinerário da razão até Deus").

Assistimos, desde meados do século passado, a uma derrocada de uma série de mitos, antes considerados intocáveis e insubstituíveis. Vamos enumerá-los apenas; se bem que cada um de per si mereceria uma reflexão à parte:

1) A pretendida potência da razão, considerada capaz de elaborar sistemas filosóficos omnicompreensíveis. Ela abarca tudo e tudo explica; tudo controla e regula. A insensatez da injustiça social em escala mundial e a violência da guerra para mantê-la já seriam suficientes para desbancar tal presunção;

2) a crença de que seja possível viver sem História, sem passado e sem futuro. O que importa é o presente, o aqui e o agora. Chama-se isso de "perpetuidade do presente". Esquecendo que o presente está carregado do passado e se projeta para um futuro ainda a se construir. Os antigos diziam: "a criança que está nascendo neste momento é tão velha quanto o mundo; e, no entanto, traz dentro de si um futuro de mudanças e capacidade de crescimento (Humanização)";

3) a queda do binômio substância-acidentes. Tudo é fugaz, é presente, é momento que se deve vivenciar com intensidade, pois, logo se desfaz. "A eterna leveza do ser"; "tudo que existe se desfaz no ar". Não há necessidade de uma substância ou de um objeto privilegiado ou centro de imputação para o qual o todo se convirja ou seja o centro;

4) a crença de que a razão seria esse centro de imputação, tendo em suas mãos a realidade e, portanto, conhecendo suas estruturas, sua dinâmica, suas leis, carece de qualquer relação com o transcendente. Proclama sua autonomia.

Esses mitos, entre outros, que a modernidade gerou e nos quais depositou sua esperança foram se esboroando, e o "Homo" da atualidade se prostrou exausto como um Prometeu encadeado. Suas conquistas científico-tecnológicas não o fizeram mais humano, mais solidário. É um angustiado à busca de sentido do que é a Vida, para que se vive! Seu próprio habitat, o planeta terra com seus ecossistemas abalados; põe em risco nossa sobrevivência como a sobrevivência das futuras gerações

Estaria aí a redescoberta da mensagem do santo de Assis e de seu desdobramento filosófico-teológico de seus seguidores.

A Teologia franciscana é uma teologia do coração, da afetividade, da gratuidade, uma teologia mais amorosa do que racional.

Duns Escoto, por exemplo, defendia a tese de que: "Bonum diffusivum sui" (O bem é, de per si, por sua natureza, algo que tende a se difundir). Como se não coubesse dentro de si mesmo, tende a se difundir, a se socializar. O mesmo acontece com a gente: possuído de uma grande alegria, a gente como se não coubesse dentro de si, se sente impulsionado a irradiá-la, comunicá-la com os outros!

Dessa tese chegou à conclusão de que o "peccatum originale", a revolta e rejeição do "Homo" de se aceitar finito, um ser criado, não afetou a essência de seu ser enquanto dotado de razão e liberdade. E mais ainda: de que caso não houvesse essa revolta, Deus se encarnaria em seu Filho Jesus Cristo como expressão e revelação de sua bondade intrínseca. Nele veríamos a bondade, a gratuidade de Deus-Amor que criou tudo por amor, gratuitamente, sem ter um "porque" racional. Faz pensar na "Rosa". "A rosa não tem porquê", está aí, gratuitamente, mesmo que eu não a veja. "Elas, simplesmente, exalam", diz a canção.

Teríamos um Cristo sem paixão, sem crucifixão; encarnado gloriosamente, como causa exemplar, manifestação em plenitude da glória de Deus, isto é, brilho de sua bondade, de sua gratuidade intrínseca.

Francisco, na sua caminhada existencial, de experiência em experiência, foi-se libertando de todo e qualquer desejo de posse; na sua pobreza total, foi capaz de perceber e intuir essa bondade fontal e via em tudo, desde o vermizinho que atravessava o caminho que percorria até o sol, a lua, o vento, o fogo, a água essa presença amorosa e gratuita da vida, cuja fonte última ele chamou de "Sumo Bem", ou o "Amor não Amado", "Altíssimo, Onipotente e Bom Senhor". Veja o Cântico das Criaturas que ele foi escrevendo no decorrer de sua conversão, a ponto de chamar tudo de irmãos, irmãs (Adelfocracia); inclusive a morte, enquanto transição, passagem dessa vida ao encontro desse Ser Bondoso.

Daí, o pensamento franciscano, seus pensadores, desenvolverem uma metafísica, (reflexão sobre a essência dos seres, do Ser por excelência) do ser como um dom, uma graça, intuídos mais pelo coração, pelo afeto, do que pela razão.


Frei Cristóvão Pereira ofm


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