"Senhor, fazei-me instrumento de Vossa Paz"
São Francisco de Assis

segunda-feira, 2 de maio de 2011

FREI BRUNO: TRAÇOS MARCANTES DO GENUÍNO FRADE MENOR


Por Frei Elzeário Schmitt

Poucos são, de certo, os confrades da época que não chegaram a conhecer Frei Bruno. Quem o conheceu concordará comigo que sua personalidade foi uma reprodução fidelíssima das páginas mais inspiradoras dos "Fioretti". Simples, pobre, humilde, zeloso, e caridoso em grau impressionante, retratando de maneira fiel os traços mais marcantes de genuíno frade menor segundo o modo de São Francisco. Falando em Frei Bruno, não cabem palavras difíceis. Nem pretendo expor todas as minúcias tão simpáticas quão edificantes de sua abençoada carreira. Dou, apenas, em rápidos e leves traços, os dados importantes do seu "curriculum vitae" (fornecidos pelo Provincialado), para logo em seguida condensar a impressão que ele nos deixou nestes últimos anos de íntimo convívio na residência dos frades de Joaçaba.

O Noviciado no navio
Filho de Humberto Linden e Cecília Goelden, nasceu Humberto Linden Jr. (mais tarde Frei Bruno) em Duesseldorf, na Alemanha, a 8 de setembro de 1876. Com quase 18 anos de idade, ingressou no Noviciado dos Franciscanos da Saxônia, em Harreveld, na Holanda. Tomou hábito em 13 de maio de 1894. O famoso padre-mestre Frei Osmundo Laumann deixou-lhe lembrança indelével nas poucas semanas que passou debaixo de sua tutela. Nem bem chegaram ao Noviciado, foram destinados para a "Missão Brasileira", estando entre eles Frei Bruno. Trocaram o convento por um navio transatlântico que os levou à Bahia. Aportaram em Salvador aos 12 de julho de 1894. Em terras baianas, Frei Bruno completou o Noviciado, saiu-se ileso da febre amarela, estudou Filosofia e Teologia e fez profissão solene no dia 19 de maio de 1898. Em seguida, ao virar o século, foi enviado para Petrópolis, onde foi ordenado sacerdote em 10 de maio de 1901 e aprovado para a cura d'almas em fins do mesmo ano.

O jovem padre permaneceu ainda mais dois anos em Petrópolis. Em 1904 foi transferido para Gaspar, primeiro como superior e pároco até 1906, continuando no mesmo lugar mais três anos como coadjutor. A próxima transferência levou-o a São José, na modesta função de coadjutor e bibliotecário; mais tarde, isto é, desde 1914, como vigário da paróquia. Em 1917, tocou-lhe a incumbência de superior e vigário na residência riograndense de Não-Me-Toque.

Entre 1926 e 1945 teve uma prolongada estadia em Rodeio, convento do Noviciado, onde quase todo o tempo era guardião e vigário, enquanto o permitiam as constituições e intercalados os devidos interstícios de vacância de cargos. Durante quase 20 anos edificou sem cessar o povo de fora e os religiosos de dentro com seu exemplo de autêntico frade menor e arauto de Cristo. Este período mereceria um artigo à parte de quem com ele conviveu por mais tempo. Basta dizer aqui que dificilmente as instruções do Pe. Mestre aos noviços encontrariam ilustração concreta e exemplo vivo mais imponente que na pessoa do santo Frei Bruno.

A última morada terrestre
O Capítulo Provincial de 1945 destacou-o de Rodeio para Esteves Júnior. Lá permaneceu só poucos meses, pois no fim do mesmo ano foi designado superior e pároco de Xaxim. Completou dois triênios à frente da casa, continuando no mesmo lugar como coadjutor até 1956. Octogenário, acabado e encarquilhado foi parar em Joaçaba, sua última morada terrestre.
Depois do Capítulo Provincial de 1956, a conselho do ministro provincial, Frei Bruno foi para Luzerna a fim de passar uma temporada de repouso, ou, como ele mesmo entendia, preparar-se para a morte. Não era para menos. A velhice, as forças gastas e o corpo alquebrado pressagiaram o fim da jornada. Duas hérnias e, por conseguinte, duas cintas davam-lhe bastante que fazer e sofrer. Todavia pensava também em trabalhar, em continuar suas caminhadas para espalhar o bem a todos. Em pouco tempo escasseou o serviço em Luzerna e, a pedido dos confrades, foi passar uns dias em Joaçaba, onde descobriu novas oportunidades de apostolado. Voltou a Luzerna sem dizer nada, mas quatro dias depois apareceu outra vez em Joaçaba, disposto a ficar. Era o dia 2 de fevereiro de 1956.

A volta de Frei Bruno foi naturalmente uma grande alegria para nossa pequena comunidade. Todos nós apreciávamos a graça de ter um santo em casa, e um santo que trabalha sem dar trabalho. Os últimos quatro anos em Joaçaba não foram mais do que a continuação de um apostolado que Frei Bruno vinha praticando há muitos anos.

Quem conheceu Frei Bruno sabe de sua predileção irresistível por longas e continuadas caminhadas "pedibus apostolorum". De fato, de manhã à noite, mantinha-se em movimento. Brincando com ele, chamamo-lo muitas vezes de cigano sem paradeiro nem sossego. Caminhava, visitando as famílias, benzendo as casas, descobrindo uniões a legalizar, consertando lares em desarmonia, visitando os doentes, sempre no mesmo ritmo incansável, morro-acima e morro-abaixo. Subindo pelas ladeiras, costumava andar em ziguezague a fim de aliviar o velho coração.

Nos primeiros meses ainda visitava as capelas de Santa Helena e de Nossa Senhora da Saúde, capelas por onde passa a linha de ônibus. Mais tarde, notando a nossa preocupação, desistiu espontaneamente. Em seguida ocupou o cargo de capelão do Ginásio Frei Rogério, a cargo dos Irmãos Maristas. Atendia às confissões dos irmãos e juvenistas. Terminada a santa missa, Frei Bruno dava as suas voltas, chegando à casa um pouco antes do meio-dia, quase sempre a pé, empunhando o guarda-chuva, seu fiel e inseparável companheiro. Depois do almoço "descansava" na igreja, apoiando a cabeça na mesa do altar de Nossa Senhora, rezando, ou, então na salinha da portaria, onde atendia às pessoas que o procuravam ou que ele havia chamado.

Interessou-se pelos detidos. "Pe. Praeses, será que posso pedir dinheiro a algumas pessoas para comprar uma bola"? - "Para quê"? - "Para os presos". E lá vai ele: pede o dinheiro, compra a bola e a leva à cadeia, arrancando ainda do delegado a licença para os coitados jogarem futebol no pátio do presídio. "Pe. Praeses, posso tirar tintas para os presos pintarem a cadeia que está imunda"? "Pe. Praeses, na cadeia não tem luz. Posso levar uns maços de velas"?
Também tinha sempre em volta de si um grupo de crianças pobres, às quais dava a doutrina e às vezes também pão e outros petiscos que depois faziam falta à mesa.
Frei Bruno cuidava da água benta e conservava uma talha sempre cheia na igreja, ao lado do batistério. Aos sábados, vindo os pobres para receber os mantimentos, iam beber a água benta de Frei Bruno que não gostava desse modo de matar a sede. Porém, dizia: "Paciência! As criancinhas, coitadas, estão com sede".

Frei Bruno, pedestre convicto, não se entusiasmava pelos meios de transporte modernos. "Frei Bruno, não gostaria de dar um passeio de avião"? - Não, não, não! Imagine o que vai acontecer se faltar um parafuso"!

Os dias iam passando. O Ginásio Frei Rogério recebeu novo capelão, e Frei Bruno foi aposentado. Estava na hora. Pois caminhar se lhe tornava mais custoso e também a vista ia enfraquecendo casa vez mais. A partir de 1958, Frei Bruno celebrava sua santa missa às 5h30 no altar de Nossa Senhora. Aí, ele dava a comunhão às pessoas que madrugavam. Após a missa, no confessionário, era sempre procurado. O confessionário de Frei Bruno era uma armação muito simples com grade, de um lado a cadeira de confessor, do outro lado o banquinho de ajoelhar para o penitente. Terminando com as confissões, Frei Bruno costumava ajoelhar-se naquele banquinho.

Volumosa era a correspondência que Frei Bruno recebia. Uns pediam uma bênção, outros a saúde para um doente, ouros ainda sorte nos negócios ou bênção contra ratos no paiol ou contra os bichos na roça. A princípio, Frei Bruno respondia religiosamente a todas estas cartas, mas à medida que se lhe ia enfraquecendo a vista, ia desistindo da correspondência.

Em 3 de julho de 1959 celebrou pela última vez a santa missa. A partir daquele dia comungava às 5h30, e depois ia ao confessionário. Já não saia mais à rua, mas continuava as audiências na salinha da portaria que, por brincadeira, apelidávamos de "conclave".

Em 25 de outubro, na companhia de Frei Serafim, Frei Bruno deu o último passeio a Luzerna, a fim de tratar de assuntos da Pia União de Missas de Ingolstadt. Tanto em Luzerna como em Joaçaba, Frei Bruno exercia um belo apostolado em prol da dita União de Missas.

Em 20 de novembro, voltando da cidade, encontrei Frei Bruno na sala da portaria, desmaiado, pálido e frio. Eu estava certo de que a morte afinal viera buscá-lo. Levamo-lo à cela, e deitamo-lo na cama. Imediatamente veio o médico prestando a assistência indicada. Já ao meio-dia, nosso doente estava de pé, meio tonto ainda, mas animado. A partir daquela dia, Frei Bruno andava muito preocupado com a morte. Em curto prazo, por duas vezes recebeu a Extrema-Unção.

Entrando em 1960, ouvíamos diariamente a mesma ladainha: "Hoje vou morrer". Chamava o viático sua comunhão diária. Até deixava de se alimentar convenientemente e foi preciso, em nome da santa obediência, obrigá-lo a comer. Aí se normalizou a situação, pois Frei Bruno dizia sempre: "Quem não obedece aos superiores vai para o inferno"! A obediência cega do santo confrade deu também fim a uns tantos escrúpulos e complexos de consciência.

As sandálias lhe ficavam pesando muito e Frei Bruno calçou uns chinelos leves e caminhava que nem velho colono italiano. Achou pesado o rosário das sete alegrias e pediu licença para usar um rosário pequeno no cordão do hábito. Entretanto dias depois apareceu outra vez com a grande coroa, dizendo: "Acho que é uma ofensa a Nossa Senhora andar sem o rosário". No último mês teve que usar bengala para caminhar. Até o último dia atendeu as confissões e deu audiência na sua salinha.

A morte de Frei Bruno paralisa a cidade
No dia 24, voltando do colégio das Irmãs, não encontrando Frei Bruno nem na sacristia, nem na portaria, nem no refeitório, foi ao quarto dele onde o encontrei morto. Segundo o médico, que veio depois, a morte devia ter ocorrido umas duas horas antes.

Rapidamente se espalhou a notícia do falecimento. Escusado dizer que a consternação foi geral. As duas emissoras de Joaçaba, a todo o momento, repetiam a triste nova, dando também notícias biográficas acerca do confrade. Ao meio-dia, o corpo foi colocado na igreja e velado sem interrupção até o dia seguinte. Veio muita gente, e houve muitas lágrimas.

Dia 26 de fevereiro, o comércio e a indústria fecharam em sinal de luto. Às 8 horas houve missa de corpo presente.

A espaçosa matriz mostrou-se pequena para acolher tanta gente. Vieram para as exéquias os confrades de Luzerna, Jaborá, e Xaxim. No enterro contaram-se 120 carros. Foi o maior enterro que já houve em Joaçaba. No dia seguinte, em sessão da Câmara Municipal, os vereadores lançaram em ata um voto unânime de pesar pela morte de Frei Bruno e, em sinal de luto, suspenderam em seguida os trabalhos.

Os motoristas de Joaçaba renderam homenagem particular à memória de Frei Bruno, organizando um grande cortejo, rumando, de noite, à matriz onde todos, ajoelhados na escadaria da Igreja rezaram pela alma de Frei Bruno, e em seguida prosseguiram na sua peregrinação. Já se preparava campanha pela praça e monumento de Frei Bruno em Joaçaba.


COMO SER CRISTÃO HOJE, SEGUINDO OS PASSOS DE FREI BRUNO?

Estamos no século XXI e deparamo-nos com muitos desafios e contradições que exigem dos cristãos uma atuação mais crítica, consciente e eficaz. Frei Bruno antecipou-nos e, com suas atitudes, ensinou-nos a como ser cristão neste século. Esse ensinamento ele transmitiu-nos já em 1958! Frei Bruno percebeu que a exploração da mão-de-obra remunerada, com baixos salários, iria gerar muita exclusão. Antecipando-se, ele agiu como deveriam agir todos os bons cristãos: organizou os pobres para se fortalecerem fazendo vencer a justiça de Deus na relação entre patrões e empregados. Um exemplo disso foi a corajosa postura de Frei Bruno frente à exploração das empregadas domésticas. Não pensou duas vezes: organizou a ASSOCIAÇÃO DAS EMPREGADAS DOMÉSTICAS de Joaçaba, SC. É bom lembrar que isto aconteceu em 1958, quando nem se imaginava ainda surgir no Brasil a TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO, que despertou e fez multiplicar associações de todos os tipos de excluídos, a partir da ação e da reflexão dos cristãos católicos. Neste aspecto evangelizador, ele é apresentado como um modelo de cristão para os nossos dias.

 Frei Bruno teve naquele tempo, quando circulavam poucos textos com leituras criticas da sociedade da época, uma brilhante atuação. Os textos com leituras críticas da exploração do homem pelo homem e da organização dos sistemas políticos e sociais de hoje estão amplamente à disposição dos cristãos. O desafio dos cristãos no mundo é hoje muito maior do que no tempo de Frei Bruno, exigindo cristãos hábeis. O sistema de alienação hoje é muito forte. Dentro de quase todas as instituições, principalmente das empresas, a postura de omissão e de acomodação dos cristãos é preocupante. Os cristãos facilmente se submetem, ficam omissos para se garantirem no emprego, fechando os olhos às injustiças. Por isso, dar testemunho cristão hoje supõe muita fé, maturidade e visão ampla.  

Há uma campanha de lavagem cerebral para manipular as mentes e conseguir que todos se convençam de que tudo está bem, que não há alternativa e que são muito felizes por estarem empregados. A mídia, as instituições e o ambiente global da sociedade: tudo serve para desencorajar qualquer tentativa de atuação mais corajosa. Dessa forma, somente personalidades fortes, com convicção muito madura, poderão doar seu tempo à organização do pensamento crítico e na formação de associações de inspirações cristãs, corajosas e conscientes dos desafios do século XXI. A maioria dos cristãos, por terem recebido uma fraca formação cristã na catequese e nas missas, ficará calada. A pressão psicológica em favor da omissão é forte. Na prática e de fato, a maioria cede e perde sua própria convicção e não faz investimentos espirituais em si que gerem a força da esperança. Assim, recorremos ao nosso Frei Bruno; que ele inspire e ajude seus devotos a mudarem de atitude! Além de buscarmos por milagres para resolver problemas pessoais, devemos também dirigir nossas orações e pedidos, para a solução dos problemas sociais.

Hoje em dia, existem milhares de associações, sindicatos e organizações que dizem representar os mais pobres. No entanto, as mesmas estão entregues às mãos de acomodados e omissos, que não respiram o mesmo sonho por justiça social que animou Frei Bruno a constituir uma das primeiras Associações de Empregadas Domésticas do Brasil. Muitos desses "Presidentes" de Associações são católicos. No entanto, nos perguntamos: são católicos conscientes ou de formação ingênua? Nessas Associações há necessidade de atuação de pessoas que se alimentem do idealismo, de doação de suas próprias vidas em prol de projetos concretos, transformadores. Não podem se deixar levar pela corrupção que assola grande parte da sociedade, das Associações, dos Sindicatos e principalmente dos funcionários públicos. O que é mais preocupante, do maior ao menor, segundo o nível hierárquico, com poucas exceções. O episódio dos "cartões corporativos" "deixando a nu" muitas pessoas "tidas como honestas", inclusive muitos gestores de Universidades Públicas, os forjadores do Brasil de amanhã, deixa-nos atordoados. Tudo isso faz-nos clamar fortemente a Frei Bruno que interceda junto a Deus por nós e que ilumine todos os Agentes de Pastoral de todos os níveis, dando-nos luzes frente aos desafios da Evangelização no século XXI.

Há necessidade de que os católicos se manifestem como os servidores do Reino mais convictos, mais dedicados e mais honestos. Grande parte deles quer ter uma postura mais comprometida? Fomos contagiados por um estranho comodismo, quase imperdoável. Poderemos ser o sal da terra, a luz que, em todos os ambientes da sociedade, atrai os olhares e constrói o bem. Queremos essa espinhosa missão? Queremos atender aos apelos de Paulo quando na segunda Carta a Timóteo,1,8 conclama-nos: "sofre comigo pelo Evangelho..."? Ou quando Jesus, em Mateus 17,7 toca nos discípulos e diz "levantai-vos e não tenhais medo"?

Sem mística, sem fé e sem convicção é impossível agir como cristão no mundo. Rahner já dizia que no século XXI a Igreja seria mística ou não seria Igreja. Acreditamos que corremos o risco de sermos apenas um amontoado de pessoas que repetem fórmulas, "fregueses de sacramentos", sem compromisso com a realidade de Deus que reflete no mundo. A formação paroquial tradicional não basta. Por sinal, grande parte dos que vão ao culto são justamente as pessoas que vivem em um mundo paralelo ao de Deus, não querem muito compromisso. Vão só cumprir "sua obrigação". Quem exige esse tipo de obrigação? Deus? Todos os Profetas e Evangelistas afirmam que o Culto que Deus quer é a prática do Direito e da Justiça. Quem pratica o Direito e a Justiça, este sim, pode Celebrar o culto com a consciência tranqüila porque sente que está com o dever cumprido.

Que a nossa intercessão junto a Deus pelo Bem-Aventurado Frei Bruno faça-nos constituir centenas de associações, a exemplo da Associação das Empregadas Domésticas, todas a partir das angústias do povo dos dias de hoje, para tornar verdade a força de Deus em nós.

Frei David R. Santos OFM   -   Pároco de Luzerna, Santa Catarina

FONTE:
http://www.franciscanos.org.br/noticias/noticias_especiais/freibruno_06/


Um comentário:

Daniel - SC disse...

Legal o texto.
Minha avó conta que servia café ao frei Bruno quando ele vinha das caminhadas de Xaxim para Xanxerê. Ela tem muito orgulho desse tempo.