Frei Vito Hofmann, OFM
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Manuseando a Bíblia, encontramos tantos textos sobre a alegria que ficamos perplexos de como, desta alegria, nasceram cristão tristes, padres triste, religiosos tristes. Um pagão pode-se mostrar triste, carrancudo, melancólico, não um cristão. Afinal, nossa alegria profunda brota do fato de nos saber amados por Deus. São Francisco é um "irmão sempre alegre". O carisma da alegria e do bom humor de Francisco é hereditário... Todos temos acesso a esta secular riqueza do "pobre que enriqueceu o mundo", que partilhou tudo, até a alegria, o temperamento jovial e festivo.
Graças a Deus, Francisco agiu "loucamente", do contrario, não teríamos conhecido São Francisco de Assis. Teríamos tido somente mais um "cristão normal", entre tantos outros.
Alguns dos amigos e ex-companheiros de farras, festas, danças perceberam que Francisco não era tão louco quanto todos diziam. Reconheceram nele um homem de Deus que dava testemunho de alegria, felicidade e paz incomuns... Isso os impressionava e, sobretudo, incomodava! Sentiram o desejo de juntar-se a ele naquela forma de vida pobre e penitente. O primeiro deles a decidir-se foi Bernardo de Quintavalle, nobre e sábio de Assis. Depois vieram o jurista Pedro Cattani, o agricultor Egídio, o sacerdote Silvestre, Leão, Masseo, Ângelo, Elias... e tantos outros.
Francisco transbordando de alegria, não se cansava de repetir a todos:
- O Senhor me deu irmãos.
A alegria de Francisco era espontânea. A um frade que sempre se mostrava carrancudo, disse:
Um servo de Deus não deve mostrar-se triste ou turbulento, mas sempre sereno. Resolve teus problemas em teu quarto e na presença de Deus, chora e geme. Quando voltares para junto dos irmãos, deixa de lado o aborrecimento e trata de te conformares com os outros.
Gostava de ver os confrades sempre repletos de alegria.
Quando o numero dos seguidores de Francisco chegou a onze, dirigiram-se, com um texto escrito da Regra de Vida, até Roma. Para os cardeais da corte papal, os jovens maltrapilhos de Assis não inspiravam muita confiança. Temiam que fosse mais um grupo de sonhadores e contestadores! Naquela noite, o papa teve um sonho revelador. Vira a Basílica de S. João de Latrão prestes a ruir. Isto não aconteceu porque um homem pobrezinho, de aspecto desprezível, a sustentava com os próprios ombros. O papa reconheceu, naquele pobrezinho, o fradezinho Francisco. E, assim, Francisco e os primeiros onze companheiros retornaram para Assis, saltitando de alegria e gratidão pela aprovação do papa.
Alegria na Pobreza
Quando falamos de Francisco de Assis, pensamos, espontaneamente, em seu amor pela pobreza. Ele próprio se dizia casado com a "Senhora Pobreza".
Em suas admoestações, Francisco dizia:
- Onde à pobreza se une a alegria, não há cobiça nem avareza.
A vida da pequena fraternidade, reunida em torno de Francisco, foi duramente provada. Não queriam e não tiveram moleza. Trabalhavam para os outros em troca de pão diário. Não aceitavam dinheiro, considerado "esterco do diabo".
Ao bispo de Assis, que procurava aconselhá-lo de aceitar bens ele respondeu:
Senhor bispo, se possuíssemos bens, ser-nos-iam necessárias armas para nossa proteção. Pois é daí que surgem litígios e contendas... Por esta razão, decidimos não possuir nada.
Não é necessário possuir muitos bens para adquirir mentalidade possessiva.
Por isso Francisco queria sentir-se totalmente livre, para ser irmão de todos.
Queria possuir somente a Deus.
Um certo homem teve compaixão da vida dura que levavam e ofereceu algum dinheiro. Os frades não quiseram receber. Frei Bernardo deu a explicação, do por quê:
E verdade que somos pobres, mas, para nós, a pobreza não pesa tanto como para os outros pobres, pois, por graça de Deus, nos fizemos pobres voluntariamente.
De fato, Francisco possuía pouquíssimas coisas: a túnica, o cordão e as roupas de baixo. Assim, alegre, seguro e livre para correr, tinha o prazer de ter trocado as riquezas que perecem pelas eternas.
Vivendo como pobres, os frades, acolhiam com carinho os demais pobres e mendigos. Quando não podiam socorrê-los materialmente, procuravam ao menos testemunhar-lhes o amor, a atenção e a amizade. Se pessoas ricas desse mundo os procuravam, recebiam-nas com alegria e benevolência, e as convidavam a afastar-se do mal e fazer penitência. A um franciscano só não era permitido ser pobre de alegria.
Para Francisco, todo o bem é propriedade de Deus. Quem é verdadeiramente pobre, dá a Deus o que é de Deus; estará sempre preocupado em restituir tudo a Deus.
Clara, a Primeira Irmã
Diz-se que "atrás de cada grande homem, existe uma grande mulher". Também com vários santos isso aconteceu. Eis alguns exemplos: João da Cruz e Teresa de Ávila; Dom Bosco e Maria Domenica Mazzarello; Francisco de Sales e Joana Francisca de Chantal; Francisco e Clara... e tantos outros
Francisco e Clara: não se consegue entender um sem o outro. Sem Clara, Francisco seria incompleto como homem de Deus. Era sentido idêntico, o mesmo pode-se dizer de Clara. O dois tinham, em comum, o amor ao Cristo pobre e crucificado. Deus estava sempre em primeiro lugar em suas vidas, de maneira estável e definitiva.
Nossa jovem Clara viu que, para consagrar-se totalmente a Deus,só havia um jeito: fugir de casa! Isso não chega a ser nada de extraordinário, não é mesmo? Ainda hoje jovens fogem de casa, mas porque não suportam mais os problemas familiares ou porque se apaixonaram por alguém... Clara também estava apaixonada, mas por Deus.
Naquela noite da fuga de Clara, nascia a fascinante aventura das "Pobres Damas", isto é, a segunda Ordem fundada por Francisco e hoje conhecida como Ordem de Santa Clara, popularmente chamada de Clarissas.
Dá para imaginar que Clara e Francisco não escaparam do "diz-que-diz-que" do povo... As pessoas de todas as épocas costumam colocar malícia naquilo que não compreendem.
Clara e Francisco ensinam a todos nós a ser enamorados de Deus da alegria, dos pobres... São mais de 800 anos de experiência! Dá para vida, confiar!
O Espírito Santo, autor da vocação evangélica de Clara e Francisco, foi também o inspirador da bela amizade entre os dois. Esta, como dom do Espírito, foi plena de afeto, de alegria.
Alegria na oração
A intimidade com Deus fazia transbordar em Francisco uma alegria imensa, vibrante, uma paz serena e duradoura, como se estivesse "bêbado" de Deus. Na oração constante, buscava conhecer a vontade desse Deus amoroso, Sumo Bem, Único Bem. Ao voltar de suas orações, que o transformavam quase num outro homem, procurava sempre, com seus confrades, comportar-se em conformidade com os demais. Tomás de Celano diz, que "ele não é tanto um orante, mas um homem feito oração".
Francisco gostava de visitar igrejas, de estar nas igrejas. Estimulava os confrades a tomar a mesma atitude. Inclusive uma das primeiras orações que ensinou aos confrades foi para quando entrassem numa igreja.
Ei-la:
Nós vos adoramos, Santíssimo Senhor Jesus Cristo, aqui e em todas as igrejas que estão no mundo inteiro, e vos bendizemos; porque pela vossa santa cruz remistes o mundo
Francisco passava semanas e meses em oração no eremitério do cárcere e transcorria as noites repetindo:
"MEU DEUS, MEU TUDO"...
O perdão de Assis
Certa noite, Francisco está em oração na sua cabana, junto à igrejinha da Porciúncula. Aí teve uma violenta tentação carnal. Não encontrou nada melhor que tirar toda a roupa e jogar-se sobre espinheiros que havia ali perto. Para surpresa, os espinhos caíram e nasceram belas rosas. Eu já vi pessoalmente em Assis os espinheiros. Eles realmente estão sem espinhos. Sinal de Deus! Dois anjos se apresentaram e o convidaram para entrar na capela da Porciúncula. Dentro da capela, apareceram-lhe Jesus e Maria sobre o altar.
Jesus pergunta a um Francisco extasiado, que graça desejava receber como prêmio pela fidelidade no combate aos inimigos. A resposta foi imediata:
Que todos aqueles que, arrependidos e confessados, entrando nesta igreja recebam o perdão completo dos pecados.
É como se fosse um segundo batismo. Após a intercessão materna de Maria, Nosso Senhor concordou. Francisco deveria, no entanto, apresentar-se ao Papa Honório III para confirmar essa extraordinária indulgência. Sem perder tempo, no dia seguinte Francisco, cheio de alegria e simplicidade apresentou-se ao papa, partilhando-lhe tudo o que acontecera.
Naquele tempo havia somente três igrejas no mundo que tinham semelhante indulgência: a do Santo Sepulcro, em Jerusalém, São Pedro e São Paulo, em Roma, e Santiago de Compostela, na Espanha.
No dia 2 de agosto de 1216, com a presença do povo e de todos os bispos da região da Umbria, na Porciúncula, Francisco de Assis proclamou radiante de Alegria:
Irmãos, quero mandar-vos todos ao Paraíso!
Transparece a grandeza de alma de Francisco, sempre preocupado com a salvação de todos, não somente com a própria.
Alegria no Sofrimento
Parece-nos muito estranho poder encontrar motivos para nos alegra, manter o bom humor numa situação de sofrimento, enfermidade, provação, desprezo... Parece que não é humano, nem possível! Mais uma vez Francisco surpreende-nos!
A alegria deste santo situa-se para além da pobreza e da humilhação. E o milagre do amor, aceito e vivido no dia-a-dia.
Era inverno de 1224, dois anos antes da morte do santo. Certa noite, atormentado mais que de costume por uma porção de sofrimentos graves de suas doenças e muito incomodado pelos ratos, começou a ter profunda compaixão de si mesmo. Para não desfalecer, rezou intensamente a Cristo.
E, estando em oração, recebeu do Senhor a promessa da Vida Eterna. Podemos imaginar a imensa alegria que se apoderou de Francisco ao receber essa promessa! Com maior paciência e amor, acolheu ele os sofrimentos do corpo. O sofrimento humano é um mistério. Quando acolhido por amor, tornar-se libertador, redentor.
Francisco compadecia-se muito dos enfermos. Procurava animá-los, alegrá-los e servi-los da melhor forma possível. Chegava até a comer nos dias de jejum, para que os doentes não ficassem com vergonha de comer.
Numa ocasião, Francisco levou um doente que ele sabia estar com vontade de chupar uvas. Sabem o que fez Francisco? Sentou-se embaixo da parreira e começou ele mesmo a comer uvas, para dar coragem ao doente. O bem-estar do irmão e o amor por ele estavam acima de qualquer lei, de qualquer prescrição humana.
Ao lado deste jeito bonachão de ser, Francisco exortava os doentes de que, em suas provações, não se zangassem com Deus ou com os irmãos. E repetia:
Deus prova aqueles que ele ama.
O anjo da citara
Conta-nos a Legenda Perusina que Francisco, padecendo de muita dor com a doença dos olhos, quis ser acompanhado pelo som de uma citara, ao cantar os louvores do Senhor. Chamo um dos confrades e pediu procurar o instrumento. Mas este se sentiu envergonhado e não executou o pedido. Durante o silêncio da noite, Francisco ouviu o som de uma citara. Era uma música belíssima e de suave melodia que, até então, nunca ouvira nas cordas de uma citara. Percebendo que se tratava de uma obra divina e não humana, sentiu enorme alegria. Com o coração cheio de exultação, louvava, emocionado, o Senhor que o havia visitado e lhe concedido tão grande e rara consolação.
No dia seguinte, não se contendo de alegria, Francisco partilhou este acontecimento com os confrades.
Alegria diante da criação
São Francisco de Assis é, certamente, o santo que teve maior comunicação, carinho, atenção, amor para com todas as criaturas. Daí por que é o "padroeiro da ecologia". Francisco foi fascinado pela criação. Chamava as criaturas de "irmãos e irmãs", porque são "filhas" do mesmo Pai.
Era tamanha a sensibilidade e a delicadeza de Francisco que ele andava com respeito em cima das pedras, pensando em Jesus que foi chamado de "pedra angular". Recolhia do caminho os vermezinhos, para que não fossem pisados. Até os vermes faziam lembrar-lhe de Nosso Senhor, conforme está no livro dos Salmos: "Sou um verme e não um homem".
Talvez a história do lobo de Gubbio seja apenas uma lenda. Quem sabe seja o símbolo de um "lobo de duas pernas"... Não importa! Fica o ensinamento: O amor pode vencer qualquer obstáculo e pode fazer-nos descobrir amigos e irmãos também naqueles que nos parecem 'hostis, agressivos, antipáticos, incômodos.
Há homens que vivem hoje o "espírito de lobos", afugentados pela sociedade. São violentos, sem alimentos, sem escola, mal amados, sem perdão, sem perspectiva...
Francisco ensina-nos como agir. Não é construindo muros cada vez mais altos que "cativaremos" os lobos de hoje; mas sem medo e sem desculpas vazias, devemos ir ao encontro do "irmão lobo" com alguma proposta de amor e respeito! Isso nos levará a degustar uma alegria única!..
Francisco extravasava enorme alegria diante das flores, vendo-lhes a beleza e sentindo-lhes o perfume. Para ele, espelhavam a beleza do Pai Criador. Mandou que o Frei responsável pela horta deixasse sempre um canto do terreno para que também "as ervas daninhas" pudessem crescer sem serem incomodadas... Segundo o "democrata Francisco", todas as criaturas tinham direito à vida!
Aos frades que cortavam lenha, proibia arrancar a árvore inteira, para que tivesse a oportunidade de brotar outra vez. Ah! Quem nos dera sermos "loucos" e respeitosos como Francisco com todas as criaturas!
Sabe-se que Francisco realmente costumava conversar com os animais. Isso, em si, não tem nada de especial. Afinal, também hoje presenciamos pessoas que "falam" com o cão, o gato, o papagaio, o cavalo, a vaquinha... Só Francisco não jogava conversa fora! Falava-lhes a partir de um profundo amor de Deus qual revelava sua bondade e beleza até as criaturas irracionais. No Vale de Espoleto ele se deparou com um grande número de pássaros de todas as espécies. Correu alegremente para eles, deixando os companheiros no caminho. Vendo que o esperavam sem medo, cheio de alegria pediu humildemente, que ouvissem a Palavra de Deus. Francisco não perdeu tempo:
Passarinhos, meus irmãos, disse-lhes, vocês devem sempre louvar o Criador e amá-lo, porque lhes deu penas para vestir, asas para voar e tudo o de que vocês precisam (.). Embora vocês não semeiem nem colham, não precisam preocupar-se porque Ele protege e guarda vocês.
Quando os passarinhos ouviram isso, conforme ele mesmo e os companheiros contaram, fizeram uma festa à sua maneira, começando a espichar o pescoço, e abrir as asas e a olhar para ele. Francisco abençoou-os e fazendo o sinal-da-cruz, deu-lhes licença para voar. Com os companheiros,
Francisco continuou alegre o caminho, dando graças a Deus, a quem todas as criaturas louva com humilde reconhecimento.
Cântico das criaturas
Todos nós encantamos com o famoso "Cântico das Criaturas", mas talvez nem todos saibamos que ele foi composto por Francisco num momento de grande sofrimento. Francisco sofria de dores atrozes nos olhos, impedindo-o, quase, de dormir ou descansar. Sofria também do estômago, de uma úlcera gástrica; de ânsias de vômito, de um tumor ósseo, somado tudo às dores oriundas dos Estigmas.
Nessas circunstâncias, ele teria tudo para alimentar autopiedade, para murmurar dia e noite, para cobrar uma intervenção divina, para afundar em depressão... Francisco, porém, encontrou ânimo, inspiração para escrever seu mais belo poema ao Senhor:
Quero compor um novo louvor ao Senhor pelas suas criaturas, para minha consolação, e para a edificação do próximo.
Assim era a alegria de Francisco. Mesmo atormentado pela dor, soube entoar louvores a Deus, porque a alegria de Francisco se situou além do sofrimento, da humilhação, da pobreza. Rejubilou-se do Senhor, porque só n'Ele encontrou conforto.
Francisco nunca deixava que a dor e o desconforto fossem maiores do que seu amor ao Criador. Deixou transbordar o coração de poeta num ardoroso e apaixonado canto ao Criador, à luz, à alegria, à festa da vida, à harmonia do Universo...
A verdadeira Alegria Espiritual
O alegre Francisco garantia que o remédio mais seguro contra as armadilhas e astúcias do inimigo era a alegria espiritual.
Quando os corações estão cheios de alegria espiritual, a serpente derrama à toa o veneno mortal. Os demônios não conseguem fazer mal ao servidor de Cristo quando o vêem transbordante de santa alegria. Quem tem o ânimo choroso, desolado e triste é facilmente absorvido pela tristeza ou então é levado a alegrias vãs.
Sim, Francisco sabia que a tristeza é uma das filhas prediletas do inimigo. O importante é não lhe dar brecha. E isso acontece à medida que nos empenhamos em manter a alegria e o bom humor tanto na tribulação quanto na prosperidade. A alegria é dom do Espírito Santo. Devemos pedir esta graça confiantes em nossa oração.
Francisco exorta a todos:
Cuidem os frades de nunca se mostrarem mal-humorados e hipocritamente tristes, mostrem-se jubilosos no Senhor, alegres e felizes, convenientemente simpáticos.
De acordo com o testemunho de Frei Tomás, Francisco apanhou dois pedaços de pau no chão e depois com gestos correspondentes imitava um violino. Saltitava e cantava alegremente, em alta voz, ao seu Senhor pelos bosques e campos.
Sobre a verdadeira e falsa alegria, esclareceu Francisco em suas admoestações:
Bem-aventurado o religioso que não sente prazer nem alegria senão nas santas palavras e obras do Senhor e por elas conduz os homens e júbilo e alegria ao amor de Deus. Ai do religioso que se deleita com palavras ociosas e fúteis e, por esse meio, leva os homens a risadas.
Alegria na humildade
A humildade é garantia e honra de todas as virtudes. Ela deve estar na base de tudo. Por isso queria Francisco que seus confrades fossem "menores", humildes servos de todos. Ele conseguiu ser o mínimo entre os menores! A humildade é o ponto central do espírito franciscano. Ela é a raiz da santidade profunda de Francisco.
Francisco fugiu dos elogios. Queria gloriar-se unicamente no Senhor. Com freqüência, quando era louvado por muita gente, respondia mais ou menos o seguinte:
Ainda posso ter filhos e filhas. Não me louve como se estivesse seguro! Não se deve louvar ninguém que ainda tem um fim incerto.
Reconhecia que, se Deus retirasse dele sua graça, seus dons, sobrariam apenas o corpo e a alma, coisas que até um infiel possui. E genial esse Francisco, não é?
O bispo de Temi concluiu uma vez uma pregação que Francisco acabara de fazer a seu povo dizendo a todos:
Nestes últimos tempos, Deus iluminou a Igreja com este pobrezinho desprezível, simples e ignorante. Temos de louvar sempre o Senhor, pois sabemos que não agiu dessa maneira com todas as nações.
Ajoelhado a seus pés, disse Francisco ao bispo:
Na verdade, senhor bispo, fizeste-me uma grande honra, porque foste o único que conservaste o que é meu. Os outros tiram. Tiveste a discrição de separar o que é precioso do que não presta, dando o louvor a Deus e a mim, o desprezo.
Uma vez um camponês disse a Francisco:
Trata de ser tão bom e santo como todos dizem, porque são muitos os que confiam em ti. Por isso te aconselho a não seres deferentes daquilo que esperam de ti.
Ouvindo isso, Francisco, alegre, saltou do burrinho que usava, porque não podia ir a pé, beijou humildemente os pés do camponês, agradecido pelo conselho. Na sua humildade, Francisco costumava dizer que, se Deus tivesse dado os mesmos dons a um outro pecador, este, na certa, seria dez vezes melhor do que ele. Aos seus próprios olhos considerava-se apenas um pobre pecador.
O bispo de Imola não queria que os frades pregassem na sua diocese. Com certa dureza ele disse a Francisco:
Eu mesmo prego a meu povo, e isto basta!
Francisco inclinou a cabeça, com toda humildade, e saiu. No entanto, não havia passado ainda uma hora, e lá estava ele de novo. O bispo, ao vê-lo, ficou visivelmente irritado e lhe perguntou o que vinha fazer de novo. Francisco explicou-se:
Senhor, quando um pai expulsa o filho por uma porta, este deve encontrar uma outra para entrar.
Vencido com tamanha humildade, o bispo, sorrindo, abraçou-o, dizendo-lhe:
Daqui por diante, tu e teus companheiros tendes permissão de pregar em minha diocese, sem restrição alguma!
Feliz com a permissão, Francisco agradeceu amavelmente. O ensinamento de Francisco é claro e atual. Com humildade, só temos a ganhar diante dos homens e diante de Deus. Mas pelo orgulho, somos duplamente perdedores.
Talvez a mais completa interpretação a respeito da consciência que Francisco tinha de sua humildade tenha ocorrido quando Frei Masseo provou a humildade do santo. Francisco estava saindo do bosque, perto da Porciúncula, onde tinha estado em oração. Frei Masseo vai-lhe ao encontro dizendo:
Por que a ti? Por que a ti? Por que a ti? Não és homem belo de corpo, nã és de grande ciência, não és nobre... Por que todos andam atrás de ti e toda gente deseja ver-te, ouvir-te e obedecer-te?
Francisco ajoelhou-se e louvou a Deus. Depois dirigiu-se a Frei Masseo e disse:
Queres saber por que todos andam atrás de mim? E porque os olhos santíssimos de Deus não encontraram entre os pecadores nenhum mais vil, nem mais pecador do que eu... Por isso me escolheu para confundir a nobreza, a grandeza, a beleza e a sabedoria do mundo, afim de que se reconheça que toda a virtude e todo o bem é Dele e não da criatura...
A humildade alegre e sincera de Frei Francisco transparecia nas vestes, nas palavras, no corpo, nos gestos, na convivência com os outros, em tudo.
A alegria do Natal
Francisco era capaz de ver Deus em tudo: em cada ser humano e na beleza da criação. Tinha um carinho especial pelos sacerdotes, pois estes têm o poder de tornar Cristo presente na Eucaristia. A piedade de Francisco era bem concreta, assim como a do nosso povo. A partir disso, entende-se o desejo de ele representar o presépio vivo na missa de Natal.
Corria o ano de 1223. A encarnação de Jesus era o mistério que mais fascinava o coração enamorado de Francisco. A gruta, junto ao emitério de Greccio, foi o local do primeiro presépio vivo do mundo. Havia o boi, o burro, as ovelhas, a manjedoura, o feno... e, é claro, Jesus, Maria e José devidamente representados. O povo acorreu, em grande numero, para acompanhar a novidade inventiva de Francisco. O povo e os frades acompanharam tudo com tamanho fervor e júbilo, que todos pareciam reviver o próprio Natal de Deus-menino, em Belém. Pelo rosto de Francisco, escorrem lágrimas de alegria, lágrimas de amor.
Uma pedra serviu de altar para a celebração da Eucaristia. A atmosfera, rica de simplicidade, alegria e oração, contagiou a todos. Camponeses, pastores e frades transbordam felicidade.
Para Francisco o Natal é a festa das festas! Queria que toda a Criação rejubilasse; que os pobres e esfomeados fossem saciados pelos ricos; que os bois e os burros recebessem uma porção maior de feno; que os passarinhos recebessem grãos em abundância... E a alegria de Francisco derramando-se em bondade para com todos e com tudo.
Francisco, no seu amor, "inventou" o presépio. Hoje, ele está presente nos lares, igrejas, escolas, praças públicas... E Greccio tornou-se a "Belém franciscana”
A perfeita alegria
A perfeita alegria é mesmo a especialidade dos santos. Caminhava Francisco e Leão de Perugia rumo a Santa Maria dos Anjos, era num inverno muito rigoroso. A certa altura, conversa vai, conversa vem, Francisco lhe pergunta sobre que seria a "perfeita alegria". Frei Leão, com ar interrogativo e curioso, demonstra imediato interesse. Frei Francisco, com seu jeito alegre, poético, brincalhão, vai, primeiro, falando sobre que poderia ser considerado "alegria perfeita", mas não é!
Ainda que o frade menor desse grande exemplo de santidade, que desse vista aos cegos, curasse paralíticos, expulsasse os demônios e ressuscitasse mortos de quatro dias, escreve que nisso não está a "perfeita alegria".
E ainda um pouco mais, Francisco continuou:
Se o frade soubesse muitas línguas e ciências; falasse com língua de anjo; conhecesse o curso dos astros e estrelas e a força de cura das ervas, escreve que não está nisso a "perfeita alegria"
Frei Leão estava cada vez mais encucado e ansioso para saber aonde Francisco ia chegar. Continuou Francisco:
Se o frade menor soubesse profetizar, fazer prodígios, soubesse pregar tão bem que convertesse todos os infiéis à fé cristã; se todos os sábios e reis da terra se tornassem frades menores, escreve: não está nisso a "perfeita alegria”
Mamma mia!, disse-lhe, surpreso, Frei Leão!
Onde está afinal a "perfeita alegria"?
E Francisco assim lhe respondeu:
Quando chegarmos a Santa Maria dos Anjos inteiramente molhados e tremendo de frio, aflitos de fome, e batemos à porta do Convento e o irmão porteiro chegar irritado e disser:
Quem são vocês?, e nós dissermos:
Somos dois dos vossos irmãos, e ele disser:
Não dizem a verdade; são dois vagabundos que andam enganando o mundo e roubando as esmolas dos pobres; fora daqui!
Irmão Leão, se ele não nos abrir a porta e nos deixar a relento na chuva, no frio e com fome até a noite, e se nós suportarmos tal injúria e tal crueldade, tantos maus-tratos, sem nos perturbar-nos e sem murmurarmos contra ele e pensarmos humildemente que, na verdade, ele nos tinha reconhecido, ó irmão Leão, escreve que nisso está a "perfeita alegria".
Se a gente continuar a bater, e ele, furioso, sair e nos expulsar a bofetadas dizendo:
Fora daqui, ladrõezinhos, aqui ninguém lhes dará comida nem cama! Se suportarmos isso com paciência e alegria e de bom coração ó Irmão Leão, escreve que nisso está a perfeita alegria.
Se depois disso tudo, constrangidos pela fome, pelo frio e pela noite, batermos mais uma vez e pedirmos pelo amor de Deus, e se o irmão porte frio xingando sair e nos agarrar pelo capuz e nos atirar ao chão e nos arrastar pela neve e nos bater sem piedade com um bastão nodoso; se nós suportamos todas estas coisas pacientemente e com alegria, pensando nos sofrimentos de Cristo, ó irmão Leão, escreve que aí está a "perfeita alegria".
Acima de todas as graças e dons do Espírito Santo, ó irmão Leão, está o de vencer-se a si mesmo; e por amor suportar injúrias e desprezo. É a alegria que brota da imitação do Cristo pobre e crucificado, porque de todos os outros dons de Deus não nos podemos gloriar por não serem nossos, mas de Deus.
Aquilo que São Paulo define como "caridade", Francisco chama de "perfeita alegria". Vencer a si mesmo é o caminho da alegria verdadeira. Somente é feliz quem sabe enfrentar, com paciência e amor, as contrariedades da vida!
Franciscanos casados
O jeito novo de Francisco viver o Evangelho contagiou a todos, rapazes, moças e até os casados. Despertou, em cada um, a sede de Deus que estava um tanto quanto adormecida pela falta de testemunhos vibrantes, coerentes, simples como o de Francisco.
Os rapazes tinham opção: abraçar a vida consagrada, como irmão ou sacerdote, na Primeira Ordem fundada por Francisco. As moças podiam seguir o ideal franciscana, vivendo como religiosa consagrada na Segunda Ordem fundada por Francisco e Clara (hoje conhecida como Clarissas). Até aí muito bem! Mas os que já haviam abraçado o matrimônio estavam como que "enciumados"... Alguns ameaçavam largar a família, para ingressar num convento ou mosteiro, tamanha era a empolgação com o jeito franciscano de viver o Evangelho.
Quando percebeu que a situação era séria e que o desejo dos casados de perfeição evangélica era de inspiração divina e não mero "fogo de palha", Francisco pôs-se em fervorosa oração.
Alegremente, Francisco pensou numa forma de santificação fora dos muros dos conventos. Escreveu-lhes, então, uma Regra de Vida para que pudessem viver no mundo dentro da visão franciscana. Nascia a Ordem Terceira da Penitência, hoje em dia conhecida como Ordem Franciscana Secular.
Desde o início, em 1221, fizeram parte dela homens e mulheres casados e solteiros, pobres e ricos, cultos e iletrados, papas, bispos, padres diocesanos, reis e rainhas. O primeiro casal a tomar parte foi um rico comerciante de nome Luquésio e sua esposa, Buona.
São inúmeros os santos oriundos desse ramo franciscano. São outros belos frutos da vida vibrante e alegre do homem de Deus, Francisco de Assis.
Monte Alverne: lugar de alegria e de dor!
A alegria sempre foi a companheira de Francisco. No Monte Alverne ele experimentou, ao mesmo tempo, alegria e tristeza: sob a forma de um Serafim; compaixão, por vê-lo pregado na cruz. Alegria e tristeza se misturam.
Após a visão, Francisco viu impressos nele os estigmas de Nosso Senhor Jesus Cristo!
Esse privilégio, essa alegria celestial, Francisco guardou-os discretamente como um segredo especial. Só alguns frades o sabiam. O povo maravilhou-se ao sabê-lo, no dia de sua morte.
Depois que Francisco recebeu os sagrados estigmas em seu corpo, não se cansava mais de exultar, de alegrar-se no Senhor. Parecia ébrio de felicidade. Muitas vezes, limitava-se a repetir sem cessar e sem cansar: "Meu Deus e meu Tudo!"
Alegria com a “irmã Morte”
A morte parece um castigo; é uma ferida que dói, é um trauma... e' tudo, menos algo bom. Mas para Francisco ela era "irmã" mais querida, porque o introduzia à visão de Deus, para quem fora criado.
'Quando soube, pelo médico, que a morte estava próxima, apesar da fraqueza causada pela enfermidade, Francisco começou a louvar o Senhor com toda a alma e com visível alegria.
Foi então que Francisco acrescentou a estrofe final do Cântico das Criaturas:
Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã Morte corporal, da qual nenhum vivente pode escapar. Feliz o que ela encontrar cumprindo tua vontade; porque a morte segunda não lhe pode fazer mal.
Tanta alegria e jovialidade escandalizaram a Frei Elias, que era na época o Ministro Geral da Ordem.
Deixa para lá, diz Francisco. Deixa-me alegrar-me no Senhor e cantar os seus louvores no meio dos meus sofrimentos, porque pela graça do Espírito Santo eu estou unido a meu Senhor.
Foi fiel ao Evangelho, foi fiel ao Cristo pobre e crucificado. Ele recomenda aos filhos e filhas:
Cumpri minha missão! Que Cristo vos ensine a cumprir a vossa.
Francisco celebra a Liturgia do Trânsito. Canta o Salmo 142, abençoa a todos os frades que estavam por todo o mundo e que haveriam de vir depois deles, até o fim dos tempos. É uma bênção que perpassa os séculos! Recomendou-lhes o santo Evangelho acima de qualquer Constituição.
Nu sobre a terra nua, despojado de tudo, Francisco quis ir ao encontro da "irmã morte", como Cristo na cruz. O irmão Guardião "emprestou-lhe" um hábito. Francisco sorriu. Estava satisfeito porque fora fiel à sua esposa, "Senhora Pobreza", até o fim. Com um sorriso terminou a vida terrena para nascer para a Vida Eterna. Francisco morreu cantando! Foi ao entardecer do dia 3 de outubro de 1226. O santo da alegria, do bom humor, tinha 44 anos de vida neste mundo.
Houve grande aglomeração do povo, louvando e glorificando o nome do Senhor em meio a copiosas lágrimas. Diante da comprovação do milagre dos estigmas - que Francisco procurou sempre esconder -, uma emocionada alegria tomou conta da fisionomia das pessoas. Diz Frei Tomás de Celano que "a novidade do milagre transformou o pranto em júbilo, e o luto, em comemoração".
Conta a tradição que a natureza uniu-se na alegria: as cotovias de Assis, alegres, saudaram o amigo e benfeitor com graciosos "sobrevôos", onde se encontrava o corpo do santo. Conta-se também que os sinos da pequena igreja de Santo Estevão tocaram sozinhos como que agradecendo o carinho de Francisco por todas as igrejinhas.
Hoje podemos repetir com o Papa João Paulo II, quando de sua visita ao Monte Alverne, em 1993:
"Francisco, o mundo tem saudades de ti!"
http:www.mundocatolico.com.Br/FFBNEII/ffbneii.htm
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Manuseando a Bíblia, encontramos tantos textos sobre a alegria que ficamos perplexos de como, desta alegria, nasceram cristão tristes, padres triste, religiosos tristes. Um pagão pode-se mostrar triste, carrancudo, melancólico, não um cristão. Afinal, nossa alegria profunda brota do fato de nos saber amados por Deus. São Francisco é um "irmão sempre alegre". O carisma da alegria e do bom humor de Francisco é hereditário... Todos temos acesso a esta secular riqueza do "pobre que enriqueceu o mundo", que partilhou tudo, até a alegria, o temperamento jovial e festivo.
Graças a Deus, Francisco agiu "loucamente", do contrario, não teríamos conhecido São Francisco de Assis. Teríamos tido somente mais um "cristão normal", entre tantos outros.
Alguns dos amigos e ex-companheiros de farras, festas, danças perceberam que Francisco não era tão louco quanto todos diziam. Reconheceram nele um homem de Deus que dava testemunho de alegria, felicidade e paz incomuns... Isso os impressionava e, sobretudo, incomodava! Sentiram o desejo de juntar-se a ele naquela forma de vida pobre e penitente. O primeiro deles a decidir-se foi Bernardo de Quintavalle, nobre e sábio de Assis. Depois vieram o jurista Pedro Cattani, o agricultor Egídio, o sacerdote Silvestre, Leão, Masseo, Ângelo, Elias... e tantos outros.
Francisco transbordando de alegria, não se cansava de repetir a todos:
- O Senhor me deu irmãos.
A alegria de Francisco era espontânea. A um frade que sempre se mostrava carrancudo, disse:
Um servo de Deus não deve mostrar-se triste ou turbulento, mas sempre sereno. Resolve teus problemas em teu quarto e na presença de Deus, chora e geme. Quando voltares para junto dos irmãos, deixa de lado o aborrecimento e trata de te conformares com os outros.
Gostava de ver os confrades sempre repletos de alegria.
Quando o numero dos seguidores de Francisco chegou a onze, dirigiram-se, com um texto escrito da Regra de Vida, até Roma. Para os cardeais da corte papal, os jovens maltrapilhos de Assis não inspiravam muita confiança. Temiam que fosse mais um grupo de sonhadores e contestadores! Naquela noite, o papa teve um sonho revelador. Vira a Basílica de S. João de Latrão prestes a ruir. Isto não aconteceu porque um homem pobrezinho, de aspecto desprezível, a sustentava com os próprios ombros. O papa reconheceu, naquele pobrezinho, o fradezinho Francisco. E, assim, Francisco e os primeiros onze companheiros retornaram para Assis, saltitando de alegria e gratidão pela aprovação do papa.
Alegria na Pobreza
Quando falamos de Francisco de Assis, pensamos, espontaneamente, em seu amor pela pobreza. Ele próprio se dizia casado com a "Senhora Pobreza".
Em suas admoestações, Francisco dizia:
- Onde à pobreza se une a alegria, não há cobiça nem avareza.
A vida da pequena fraternidade, reunida em torno de Francisco, foi duramente provada. Não queriam e não tiveram moleza. Trabalhavam para os outros em troca de pão diário. Não aceitavam dinheiro, considerado "esterco do diabo".
Ao bispo de Assis, que procurava aconselhá-lo de aceitar bens ele respondeu:
Senhor bispo, se possuíssemos bens, ser-nos-iam necessárias armas para nossa proteção. Pois é daí que surgem litígios e contendas... Por esta razão, decidimos não possuir nada.
Não é necessário possuir muitos bens para adquirir mentalidade possessiva.
Por isso Francisco queria sentir-se totalmente livre, para ser irmão de todos.
Queria possuir somente a Deus.
Um certo homem teve compaixão da vida dura que levavam e ofereceu algum dinheiro. Os frades não quiseram receber. Frei Bernardo deu a explicação, do por quê:
E verdade que somos pobres, mas, para nós, a pobreza não pesa tanto como para os outros pobres, pois, por graça de Deus, nos fizemos pobres voluntariamente.
De fato, Francisco possuía pouquíssimas coisas: a túnica, o cordão e as roupas de baixo. Assim, alegre, seguro e livre para correr, tinha o prazer de ter trocado as riquezas que perecem pelas eternas.
Vivendo como pobres, os frades, acolhiam com carinho os demais pobres e mendigos. Quando não podiam socorrê-los materialmente, procuravam ao menos testemunhar-lhes o amor, a atenção e a amizade. Se pessoas ricas desse mundo os procuravam, recebiam-nas com alegria e benevolência, e as convidavam a afastar-se do mal e fazer penitência. A um franciscano só não era permitido ser pobre de alegria.
Para Francisco, todo o bem é propriedade de Deus. Quem é verdadeiramente pobre, dá a Deus o que é de Deus; estará sempre preocupado em restituir tudo a Deus.
Clara, a Primeira Irmã
Diz-se que "atrás de cada grande homem, existe uma grande mulher". Também com vários santos isso aconteceu. Eis alguns exemplos: João da Cruz e Teresa de Ávila; Dom Bosco e Maria Domenica Mazzarello; Francisco de Sales e Joana Francisca de Chantal; Francisco e Clara... e tantos outros
Francisco e Clara: não se consegue entender um sem o outro. Sem Clara, Francisco seria incompleto como homem de Deus. Era sentido idêntico, o mesmo pode-se dizer de Clara. O dois tinham, em comum, o amor ao Cristo pobre e crucificado. Deus estava sempre em primeiro lugar em suas vidas, de maneira estável e definitiva.
Nossa jovem Clara viu que, para consagrar-se totalmente a Deus,só havia um jeito: fugir de casa! Isso não chega a ser nada de extraordinário, não é mesmo? Ainda hoje jovens fogem de casa, mas porque não suportam mais os problemas familiares ou porque se apaixonaram por alguém... Clara também estava apaixonada, mas por Deus.
Naquela noite da fuga de Clara, nascia a fascinante aventura das "Pobres Damas", isto é, a segunda Ordem fundada por Francisco e hoje conhecida como Ordem de Santa Clara, popularmente chamada de Clarissas.
Dá para imaginar que Clara e Francisco não escaparam do "diz-que-diz-que" do povo... As pessoas de todas as épocas costumam colocar malícia naquilo que não compreendem.
Clara e Francisco ensinam a todos nós a ser enamorados de Deus da alegria, dos pobres... São mais de 800 anos de experiência! Dá para vida, confiar!
O Espírito Santo, autor da vocação evangélica de Clara e Francisco, foi também o inspirador da bela amizade entre os dois. Esta, como dom do Espírito, foi plena de afeto, de alegria.
Alegria na oração
A intimidade com Deus fazia transbordar em Francisco uma alegria imensa, vibrante, uma paz serena e duradoura, como se estivesse "bêbado" de Deus. Na oração constante, buscava conhecer a vontade desse Deus amoroso, Sumo Bem, Único Bem. Ao voltar de suas orações, que o transformavam quase num outro homem, procurava sempre, com seus confrades, comportar-se em conformidade com os demais. Tomás de Celano diz, que "ele não é tanto um orante, mas um homem feito oração".
Francisco gostava de visitar igrejas, de estar nas igrejas. Estimulava os confrades a tomar a mesma atitude. Inclusive uma das primeiras orações que ensinou aos confrades foi para quando entrassem numa igreja.
Ei-la:
Nós vos adoramos, Santíssimo Senhor Jesus Cristo, aqui e em todas as igrejas que estão no mundo inteiro, e vos bendizemos; porque pela vossa santa cruz remistes o mundo
Francisco passava semanas e meses em oração no eremitério do cárcere e transcorria as noites repetindo:
"MEU DEUS, MEU TUDO"...
O perdão de Assis
Certa noite, Francisco está em oração na sua cabana, junto à igrejinha da Porciúncula. Aí teve uma violenta tentação carnal. Não encontrou nada melhor que tirar toda a roupa e jogar-se sobre espinheiros que havia ali perto. Para surpresa, os espinhos caíram e nasceram belas rosas. Eu já vi pessoalmente em Assis os espinheiros. Eles realmente estão sem espinhos. Sinal de Deus! Dois anjos se apresentaram e o convidaram para entrar na capela da Porciúncula. Dentro da capela, apareceram-lhe Jesus e Maria sobre o altar.
Jesus pergunta a um Francisco extasiado, que graça desejava receber como prêmio pela fidelidade no combate aos inimigos. A resposta foi imediata:
Que todos aqueles que, arrependidos e confessados, entrando nesta igreja recebam o perdão completo dos pecados.
É como se fosse um segundo batismo. Após a intercessão materna de Maria, Nosso Senhor concordou. Francisco deveria, no entanto, apresentar-se ao Papa Honório III para confirmar essa extraordinária indulgência. Sem perder tempo, no dia seguinte Francisco, cheio de alegria e simplicidade apresentou-se ao papa, partilhando-lhe tudo o que acontecera.
Naquele tempo havia somente três igrejas no mundo que tinham semelhante indulgência: a do Santo Sepulcro, em Jerusalém, São Pedro e São Paulo, em Roma, e Santiago de Compostela, na Espanha.
No dia 2 de agosto de 1216, com a presença do povo e de todos os bispos da região da Umbria, na Porciúncula, Francisco de Assis proclamou radiante de Alegria:
Irmãos, quero mandar-vos todos ao Paraíso!
Transparece a grandeza de alma de Francisco, sempre preocupado com a salvação de todos, não somente com a própria.
Alegria no Sofrimento
Parece-nos muito estranho poder encontrar motivos para nos alegra, manter o bom humor numa situação de sofrimento, enfermidade, provação, desprezo... Parece que não é humano, nem possível! Mais uma vez Francisco surpreende-nos!
A alegria deste santo situa-se para além da pobreza e da humilhação. E o milagre do amor, aceito e vivido no dia-a-dia.
Era inverno de 1224, dois anos antes da morte do santo. Certa noite, atormentado mais que de costume por uma porção de sofrimentos graves de suas doenças e muito incomodado pelos ratos, começou a ter profunda compaixão de si mesmo. Para não desfalecer, rezou intensamente a Cristo.
E, estando em oração, recebeu do Senhor a promessa da Vida Eterna. Podemos imaginar a imensa alegria que se apoderou de Francisco ao receber essa promessa! Com maior paciência e amor, acolheu ele os sofrimentos do corpo. O sofrimento humano é um mistério. Quando acolhido por amor, tornar-se libertador, redentor.
Francisco compadecia-se muito dos enfermos. Procurava animá-los, alegrá-los e servi-los da melhor forma possível. Chegava até a comer nos dias de jejum, para que os doentes não ficassem com vergonha de comer.
Numa ocasião, Francisco levou um doente que ele sabia estar com vontade de chupar uvas. Sabem o que fez Francisco? Sentou-se embaixo da parreira e começou ele mesmo a comer uvas, para dar coragem ao doente. O bem-estar do irmão e o amor por ele estavam acima de qualquer lei, de qualquer prescrição humana.
Ao lado deste jeito bonachão de ser, Francisco exortava os doentes de que, em suas provações, não se zangassem com Deus ou com os irmãos. E repetia:
Deus prova aqueles que ele ama.
O anjo da citara
Conta-nos a Legenda Perusina que Francisco, padecendo de muita dor com a doença dos olhos, quis ser acompanhado pelo som de uma citara, ao cantar os louvores do Senhor. Chamo um dos confrades e pediu procurar o instrumento. Mas este se sentiu envergonhado e não executou o pedido. Durante o silêncio da noite, Francisco ouviu o som de uma citara. Era uma música belíssima e de suave melodia que, até então, nunca ouvira nas cordas de uma citara. Percebendo que se tratava de uma obra divina e não humana, sentiu enorme alegria. Com o coração cheio de exultação, louvava, emocionado, o Senhor que o havia visitado e lhe concedido tão grande e rara consolação.
No dia seguinte, não se contendo de alegria, Francisco partilhou este acontecimento com os confrades.
Alegria diante da criação
São Francisco de Assis é, certamente, o santo que teve maior comunicação, carinho, atenção, amor para com todas as criaturas. Daí por que é o "padroeiro da ecologia". Francisco foi fascinado pela criação. Chamava as criaturas de "irmãos e irmãs", porque são "filhas" do mesmo Pai.
Era tamanha a sensibilidade e a delicadeza de Francisco que ele andava com respeito em cima das pedras, pensando em Jesus que foi chamado de "pedra angular". Recolhia do caminho os vermezinhos, para que não fossem pisados. Até os vermes faziam lembrar-lhe de Nosso Senhor, conforme está no livro dos Salmos: "Sou um verme e não um homem".
Talvez a história do lobo de Gubbio seja apenas uma lenda. Quem sabe seja o símbolo de um "lobo de duas pernas"... Não importa! Fica o ensinamento: O amor pode vencer qualquer obstáculo e pode fazer-nos descobrir amigos e irmãos também naqueles que nos parecem 'hostis, agressivos, antipáticos, incômodos.
Há homens que vivem hoje o "espírito de lobos", afugentados pela sociedade. São violentos, sem alimentos, sem escola, mal amados, sem perdão, sem perspectiva...
Francisco ensina-nos como agir. Não é construindo muros cada vez mais altos que "cativaremos" os lobos de hoje; mas sem medo e sem desculpas vazias, devemos ir ao encontro do "irmão lobo" com alguma proposta de amor e respeito! Isso nos levará a degustar uma alegria única!..
Francisco extravasava enorme alegria diante das flores, vendo-lhes a beleza e sentindo-lhes o perfume. Para ele, espelhavam a beleza do Pai Criador. Mandou que o Frei responsável pela horta deixasse sempre um canto do terreno para que também "as ervas daninhas" pudessem crescer sem serem incomodadas... Segundo o "democrata Francisco", todas as criaturas tinham direito à vida!
Aos frades que cortavam lenha, proibia arrancar a árvore inteira, para que tivesse a oportunidade de brotar outra vez. Ah! Quem nos dera sermos "loucos" e respeitosos como Francisco com todas as criaturas!
Sabe-se que Francisco realmente costumava conversar com os animais. Isso, em si, não tem nada de especial. Afinal, também hoje presenciamos pessoas que "falam" com o cão, o gato, o papagaio, o cavalo, a vaquinha... Só Francisco não jogava conversa fora! Falava-lhes a partir de um profundo amor de Deus qual revelava sua bondade e beleza até as criaturas irracionais. No Vale de Espoleto ele se deparou com um grande número de pássaros de todas as espécies. Correu alegremente para eles, deixando os companheiros no caminho. Vendo que o esperavam sem medo, cheio de alegria pediu humildemente, que ouvissem a Palavra de Deus. Francisco não perdeu tempo:
Passarinhos, meus irmãos, disse-lhes, vocês devem sempre louvar o Criador e amá-lo, porque lhes deu penas para vestir, asas para voar e tudo o de que vocês precisam (.). Embora vocês não semeiem nem colham, não precisam preocupar-se porque Ele protege e guarda vocês.
Quando os passarinhos ouviram isso, conforme ele mesmo e os companheiros contaram, fizeram uma festa à sua maneira, começando a espichar o pescoço, e abrir as asas e a olhar para ele. Francisco abençoou-os e fazendo o sinal-da-cruz, deu-lhes licença para voar. Com os companheiros,
Francisco continuou alegre o caminho, dando graças a Deus, a quem todas as criaturas louva com humilde reconhecimento.
Cântico das criaturas
Todos nós encantamos com o famoso "Cântico das Criaturas", mas talvez nem todos saibamos que ele foi composto por Francisco num momento de grande sofrimento. Francisco sofria de dores atrozes nos olhos, impedindo-o, quase, de dormir ou descansar. Sofria também do estômago, de uma úlcera gástrica; de ânsias de vômito, de um tumor ósseo, somado tudo às dores oriundas dos Estigmas.
Nessas circunstâncias, ele teria tudo para alimentar autopiedade, para murmurar dia e noite, para cobrar uma intervenção divina, para afundar em depressão... Francisco, porém, encontrou ânimo, inspiração para escrever seu mais belo poema ao Senhor:
Quero compor um novo louvor ao Senhor pelas suas criaturas, para minha consolação, e para a edificação do próximo.
Assim era a alegria de Francisco. Mesmo atormentado pela dor, soube entoar louvores a Deus, porque a alegria de Francisco se situou além do sofrimento, da humilhação, da pobreza. Rejubilou-se do Senhor, porque só n'Ele encontrou conforto.
Francisco nunca deixava que a dor e o desconforto fossem maiores do que seu amor ao Criador. Deixou transbordar o coração de poeta num ardoroso e apaixonado canto ao Criador, à luz, à alegria, à festa da vida, à harmonia do Universo...
A verdadeira Alegria Espiritual
O alegre Francisco garantia que o remédio mais seguro contra as armadilhas e astúcias do inimigo era a alegria espiritual.
Quando os corações estão cheios de alegria espiritual, a serpente derrama à toa o veneno mortal. Os demônios não conseguem fazer mal ao servidor de Cristo quando o vêem transbordante de santa alegria. Quem tem o ânimo choroso, desolado e triste é facilmente absorvido pela tristeza ou então é levado a alegrias vãs.
Sim, Francisco sabia que a tristeza é uma das filhas prediletas do inimigo. O importante é não lhe dar brecha. E isso acontece à medida que nos empenhamos em manter a alegria e o bom humor tanto na tribulação quanto na prosperidade. A alegria é dom do Espírito Santo. Devemos pedir esta graça confiantes em nossa oração.
Francisco exorta a todos:
Cuidem os frades de nunca se mostrarem mal-humorados e hipocritamente tristes, mostrem-se jubilosos no Senhor, alegres e felizes, convenientemente simpáticos.
De acordo com o testemunho de Frei Tomás, Francisco apanhou dois pedaços de pau no chão e depois com gestos correspondentes imitava um violino. Saltitava e cantava alegremente, em alta voz, ao seu Senhor pelos bosques e campos.
Sobre a verdadeira e falsa alegria, esclareceu Francisco em suas admoestações:
Bem-aventurado o religioso que não sente prazer nem alegria senão nas santas palavras e obras do Senhor e por elas conduz os homens e júbilo e alegria ao amor de Deus. Ai do religioso que se deleita com palavras ociosas e fúteis e, por esse meio, leva os homens a risadas.
Alegria na humildade
A humildade é garantia e honra de todas as virtudes. Ela deve estar na base de tudo. Por isso queria Francisco que seus confrades fossem "menores", humildes servos de todos. Ele conseguiu ser o mínimo entre os menores! A humildade é o ponto central do espírito franciscano. Ela é a raiz da santidade profunda de Francisco.
Francisco fugiu dos elogios. Queria gloriar-se unicamente no Senhor. Com freqüência, quando era louvado por muita gente, respondia mais ou menos o seguinte:
Ainda posso ter filhos e filhas. Não me louve como se estivesse seguro! Não se deve louvar ninguém que ainda tem um fim incerto.
Reconhecia que, se Deus retirasse dele sua graça, seus dons, sobrariam apenas o corpo e a alma, coisas que até um infiel possui. E genial esse Francisco, não é?
O bispo de Temi concluiu uma vez uma pregação que Francisco acabara de fazer a seu povo dizendo a todos:
Nestes últimos tempos, Deus iluminou a Igreja com este pobrezinho desprezível, simples e ignorante. Temos de louvar sempre o Senhor, pois sabemos que não agiu dessa maneira com todas as nações.
Ajoelhado a seus pés, disse Francisco ao bispo:
Na verdade, senhor bispo, fizeste-me uma grande honra, porque foste o único que conservaste o que é meu. Os outros tiram. Tiveste a discrição de separar o que é precioso do que não presta, dando o louvor a Deus e a mim, o desprezo.
Uma vez um camponês disse a Francisco:
Trata de ser tão bom e santo como todos dizem, porque são muitos os que confiam em ti. Por isso te aconselho a não seres deferentes daquilo que esperam de ti.
Ouvindo isso, Francisco, alegre, saltou do burrinho que usava, porque não podia ir a pé, beijou humildemente os pés do camponês, agradecido pelo conselho. Na sua humildade, Francisco costumava dizer que, se Deus tivesse dado os mesmos dons a um outro pecador, este, na certa, seria dez vezes melhor do que ele. Aos seus próprios olhos considerava-se apenas um pobre pecador.
O bispo de Imola não queria que os frades pregassem na sua diocese. Com certa dureza ele disse a Francisco:
Eu mesmo prego a meu povo, e isto basta!
Francisco inclinou a cabeça, com toda humildade, e saiu. No entanto, não havia passado ainda uma hora, e lá estava ele de novo. O bispo, ao vê-lo, ficou visivelmente irritado e lhe perguntou o que vinha fazer de novo. Francisco explicou-se:
Senhor, quando um pai expulsa o filho por uma porta, este deve encontrar uma outra para entrar.
Vencido com tamanha humildade, o bispo, sorrindo, abraçou-o, dizendo-lhe:
Daqui por diante, tu e teus companheiros tendes permissão de pregar em minha diocese, sem restrição alguma!
Feliz com a permissão, Francisco agradeceu amavelmente. O ensinamento de Francisco é claro e atual. Com humildade, só temos a ganhar diante dos homens e diante de Deus. Mas pelo orgulho, somos duplamente perdedores.
Talvez a mais completa interpretação a respeito da consciência que Francisco tinha de sua humildade tenha ocorrido quando Frei Masseo provou a humildade do santo. Francisco estava saindo do bosque, perto da Porciúncula, onde tinha estado em oração. Frei Masseo vai-lhe ao encontro dizendo:
Por que a ti? Por que a ti? Por que a ti? Não és homem belo de corpo, nã és de grande ciência, não és nobre... Por que todos andam atrás de ti e toda gente deseja ver-te, ouvir-te e obedecer-te?
Francisco ajoelhou-se e louvou a Deus. Depois dirigiu-se a Frei Masseo e disse:
Queres saber por que todos andam atrás de mim? E porque os olhos santíssimos de Deus não encontraram entre os pecadores nenhum mais vil, nem mais pecador do que eu... Por isso me escolheu para confundir a nobreza, a grandeza, a beleza e a sabedoria do mundo, afim de que se reconheça que toda a virtude e todo o bem é Dele e não da criatura...
A humildade alegre e sincera de Frei Francisco transparecia nas vestes, nas palavras, no corpo, nos gestos, na convivência com os outros, em tudo.
A alegria do Natal
Francisco era capaz de ver Deus em tudo: em cada ser humano e na beleza da criação. Tinha um carinho especial pelos sacerdotes, pois estes têm o poder de tornar Cristo presente na Eucaristia. A piedade de Francisco era bem concreta, assim como a do nosso povo. A partir disso, entende-se o desejo de ele representar o presépio vivo na missa de Natal.
Corria o ano de 1223. A encarnação de Jesus era o mistério que mais fascinava o coração enamorado de Francisco. A gruta, junto ao emitério de Greccio, foi o local do primeiro presépio vivo do mundo. Havia o boi, o burro, as ovelhas, a manjedoura, o feno... e, é claro, Jesus, Maria e José devidamente representados. O povo acorreu, em grande numero, para acompanhar a novidade inventiva de Francisco. O povo e os frades acompanharam tudo com tamanho fervor e júbilo, que todos pareciam reviver o próprio Natal de Deus-menino, em Belém. Pelo rosto de Francisco, escorrem lágrimas de alegria, lágrimas de amor.
Uma pedra serviu de altar para a celebração da Eucaristia. A atmosfera, rica de simplicidade, alegria e oração, contagiou a todos. Camponeses, pastores e frades transbordam felicidade.
Para Francisco o Natal é a festa das festas! Queria que toda a Criação rejubilasse; que os pobres e esfomeados fossem saciados pelos ricos; que os bois e os burros recebessem uma porção maior de feno; que os passarinhos recebessem grãos em abundância... E a alegria de Francisco derramando-se em bondade para com todos e com tudo.
Francisco, no seu amor, "inventou" o presépio. Hoje, ele está presente nos lares, igrejas, escolas, praças públicas... E Greccio tornou-se a "Belém franciscana”
A perfeita alegria
A perfeita alegria é mesmo a especialidade dos santos. Caminhava Francisco e Leão de Perugia rumo a Santa Maria dos Anjos, era num inverno muito rigoroso. A certa altura, conversa vai, conversa vem, Francisco lhe pergunta sobre que seria a "perfeita alegria". Frei Leão, com ar interrogativo e curioso, demonstra imediato interesse. Frei Francisco, com seu jeito alegre, poético, brincalhão, vai, primeiro, falando sobre que poderia ser considerado "alegria perfeita", mas não é!
Ainda que o frade menor desse grande exemplo de santidade, que desse vista aos cegos, curasse paralíticos, expulsasse os demônios e ressuscitasse mortos de quatro dias, escreve que nisso não está a "perfeita alegria".
E ainda um pouco mais, Francisco continuou:
Se o frade soubesse muitas línguas e ciências; falasse com língua de anjo; conhecesse o curso dos astros e estrelas e a força de cura das ervas, escreve que não está nisso a "perfeita alegria"
Frei Leão estava cada vez mais encucado e ansioso para saber aonde Francisco ia chegar. Continuou Francisco:
Se o frade menor soubesse profetizar, fazer prodígios, soubesse pregar tão bem que convertesse todos os infiéis à fé cristã; se todos os sábios e reis da terra se tornassem frades menores, escreve: não está nisso a "perfeita alegria”
Mamma mia!, disse-lhe, surpreso, Frei Leão!
Onde está afinal a "perfeita alegria"?
E Francisco assim lhe respondeu:
Quando chegarmos a Santa Maria dos Anjos inteiramente molhados e tremendo de frio, aflitos de fome, e batemos à porta do Convento e o irmão porteiro chegar irritado e disser:
Quem são vocês?, e nós dissermos:
Somos dois dos vossos irmãos, e ele disser:
Não dizem a verdade; são dois vagabundos que andam enganando o mundo e roubando as esmolas dos pobres; fora daqui!
Irmão Leão, se ele não nos abrir a porta e nos deixar a relento na chuva, no frio e com fome até a noite, e se nós suportarmos tal injúria e tal crueldade, tantos maus-tratos, sem nos perturbar-nos e sem murmurarmos contra ele e pensarmos humildemente que, na verdade, ele nos tinha reconhecido, ó irmão Leão, escreve que nisso está a "perfeita alegria".
Se a gente continuar a bater, e ele, furioso, sair e nos expulsar a bofetadas dizendo:
Fora daqui, ladrõezinhos, aqui ninguém lhes dará comida nem cama! Se suportarmos isso com paciência e alegria e de bom coração ó Irmão Leão, escreve que nisso está a perfeita alegria.
Se depois disso tudo, constrangidos pela fome, pelo frio e pela noite, batermos mais uma vez e pedirmos pelo amor de Deus, e se o irmão porte frio xingando sair e nos agarrar pelo capuz e nos atirar ao chão e nos arrastar pela neve e nos bater sem piedade com um bastão nodoso; se nós suportamos todas estas coisas pacientemente e com alegria, pensando nos sofrimentos de Cristo, ó irmão Leão, escreve que aí está a "perfeita alegria".
Acima de todas as graças e dons do Espírito Santo, ó irmão Leão, está o de vencer-se a si mesmo; e por amor suportar injúrias e desprezo. É a alegria que brota da imitação do Cristo pobre e crucificado, porque de todos os outros dons de Deus não nos podemos gloriar por não serem nossos, mas de Deus.
Aquilo que São Paulo define como "caridade", Francisco chama de "perfeita alegria". Vencer a si mesmo é o caminho da alegria verdadeira. Somente é feliz quem sabe enfrentar, com paciência e amor, as contrariedades da vida!
Franciscanos casados
O jeito novo de Francisco viver o Evangelho contagiou a todos, rapazes, moças e até os casados. Despertou, em cada um, a sede de Deus que estava um tanto quanto adormecida pela falta de testemunhos vibrantes, coerentes, simples como o de Francisco.
Os rapazes tinham opção: abraçar a vida consagrada, como irmão ou sacerdote, na Primeira Ordem fundada por Francisco. As moças podiam seguir o ideal franciscana, vivendo como religiosa consagrada na Segunda Ordem fundada por Francisco e Clara (hoje conhecida como Clarissas). Até aí muito bem! Mas os que já haviam abraçado o matrimônio estavam como que "enciumados"... Alguns ameaçavam largar a família, para ingressar num convento ou mosteiro, tamanha era a empolgação com o jeito franciscano de viver o Evangelho.
Quando percebeu que a situação era séria e que o desejo dos casados de perfeição evangélica era de inspiração divina e não mero "fogo de palha", Francisco pôs-se em fervorosa oração.
Alegremente, Francisco pensou numa forma de santificação fora dos muros dos conventos. Escreveu-lhes, então, uma Regra de Vida para que pudessem viver no mundo dentro da visão franciscana. Nascia a Ordem Terceira da Penitência, hoje em dia conhecida como Ordem Franciscana Secular.
Desde o início, em 1221, fizeram parte dela homens e mulheres casados e solteiros, pobres e ricos, cultos e iletrados, papas, bispos, padres diocesanos, reis e rainhas. O primeiro casal a tomar parte foi um rico comerciante de nome Luquésio e sua esposa, Buona.
São inúmeros os santos oriundos desse ramo franciscano. São outros belos frutos da vida vibrante e alegre do homem de Deus, Francisco de Assis.
Monte Alverne: lugar de alegria e de dor!
A alegria sempre foi a companheira de Francisco. No Monte Alverne ele experimentou, ao mesmo tempo, alegria e tristeza: sob a forma de um Serafim; compaixão, por vê-lo pregado na cruz. Alegria e tristeza se misturam.
Após a visão, Francisco viu impressos nele os estigmas de Nosso Senhor Jesus Cristo!
Esse privilégio, essa alegria celestial, Francisco guardou-os discretamente como um segredo especial. Só alguns frades o sabiam. O povo maravilhou-se ao sabê-lo, no dia de sua morte.
Em Canindé, Ceará, há um grande Santuário dedicado a São Francisco das Chagas, em recordação a esse acontecimento singular.
Depois que Francisco recebeu os sagrados estigmas em seu corpo, não se cansava mais de exultar, de alegrar-se no Senhor. Parecia ébrio de felicidade. Muitas vezes, limitava-se a repetir sem cessar e sem cansar: "Meu Deus e meu Tudo!"
Alegria com a “irmã Morte”
A morte parece um castigo; é uma ferida que dói, é um trauma... e' tudo, menos algo bom. Mas para Francisco ela era "irmã" mais querida, porque o introduzia à visão de Deus, para quem fora criado.
'Quando soube, pelo médico, que a morte estava próxima, apesar da fraqueza causada pela enfermidade, Francisco começou a louvar o Senhor com toda a alma e com visível alegria.
Foi então que Francisco acrescentou a estrofe final do Cântico das Criaturas:
Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã Morte corporal, da qual nenhum vivente pode escapar. Feliz o que ela encontrar cumprindo tua vontade; porque a morte segunda não lhe pode fazer mal.
Tanta alegria e jovialidade escandalizaram a Frei Elias, que era na época o Ministro Geral da Ordem.
Deixa para lá, diz Francisco. Deixa-me alegrar-me no Senhor e cantar os seus louvores no meio dos meus sofrimentos, porque pela graça do Espírito Santo eu estou unido a meu Senhor.
Foi fiel ao Evangelho, foi fiel ao Cristo pobre e crucificado. Ele recomenda aos filhos e filhas:
Cumpri minha missão! Que Cristo vos ensine a cumprir a vossa.
Francisco celebra a Liturgia do Trânsito. Canta o Salmo 142, abençoa a todos os frades que estavam por todo o mundo e que haveriam de vir depois deles, até o fim dos tempos. É uma bênção que perpassa os séculos! Recomendou-lhes o santo Evangelho acima de qualquer Constituição.
Nu sobre a terra nua, despojado de tudo, Francisco quis ir ao encontro da "irmã morte", como Cristo na cruz. O irmão Guardião "emprestou-lhe" um hábito. Francisco sorriu. Estava satisfeito porque fora fiel à sua esposa, "Senhora Pobreza", até o fim. Com um sorriso terminou a vida terrena para nascer para a Vida Eterna. Francisco morreu cantando! Foi ao entardecer do dia 3 de outubro de 1226. O santo da alegria, do bom humor, tinha 44 anos de vida neste mundo.
Houve grande aglomeração do povo, louvando e glorificando o nome do Senhor em meio a copiosas lágrimas. Diante da comprovação do milagre dos estigmas - que Francisco procurou sempre esconder -, uma emocionada alegria tomou conta da fisionomia das pessoas. Diz Frei Tomás de Celano que "a novidade do milagre transformou o pranto em júbilo, e o luto, em comemoração".
Conta a tradição que a natureza uniu-se na alegria: as cotovias de Assis, alegres, saudaram o amigo e benfeitor com graciosos "sobrevôos", onde se encontrava o corpo do santo. Conta-se também que os sinos da pequena igreja de Santo Estevão tocaram sozinhos como que agradecendo o carinho de Francisco por todas as igrejinhas.
Hoje podemos repetir com o Papa João Paulo II, quando de sua visita ao Monte Alverne, em 1993:
"Francisco, o mundo tem saudades de ti!"
http:www.mundocatolico.com.Br/FFBNEII/ffbneii.htm
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